Literatura

A Tirania do Amor, de Cristovão Tezza

Para o Clube de Leitura do Sírio)
Em poucas páginas tive a seguinte sensação: sentei-me numa Berger, numa sala aconchegante, peguei o bloco de anotações e o lápis, e me dirigi ao senhor que estava confortavelmente deitado no divã, ao meu lado, e lhe disse em tom de pergunta:
-“E então?”.
E ele me despejou um jorro de palavras. Ainda bem que o gravador estava ligado, pois o bloquinho e o lápis seriam totalmente inúteis. Mas a sensação foi essa. Seu estilo narrativo é complexo. Difícil de acostumar. Saramago, sem pontuação, tinha linearidade. Neste caso, há pontuação. Mas nenhuma linearidade. É um turbilhão de pensamentos, sentimentos, locais, situações, díspares. Não encontrei um correspondente de “verborragia” para pensamento (Cogitorragia?).
Dá prazer a contemporaneidade da obra. Estamos vivendo o seu tempo – ou melhor, um dos tempos da narrativa, já que a digressão dentro da digressão é permanente.
O autor se revela (?) nas convicções político –econômico – liberais o seu choque com o sócio-comunista-esquerdismo do filho. E nas suas frustrações, desencontros e desajustes, como intelectual, como pai, como filho, como marido, como profissional.
Como intelectual por não ter continuado a carreira acadêmica e lhe sobrado o TOC matemático. Como pai, por ter um filho adolescente totalmente doutrinado pelo pensamento retro-revolucionário típico produto da ideologização escolar – só faltando a promoção ao homossexualismo e em permanente estado de agressão. Como marido, por ter sido comunicado por um e-mail “acidental” de que fora traído (pior, estava sendo traído) e convidado a se descartar. “A Tirania do Amor” ou “As Elucubrações de um Traído”? Como filho, por não ter não ter ido ao enterro e não ter atendido ao pedido de socorro do Pai – com todos os atributos e mau caráter (mas ainda assim, pai). Mau caráter, mas com frases espirituosas e cínicas (quando não verdadeiras): “mulheres devem ser abatidas com carinho”;” nunca faça (a uma mulher que você está interessado) referência à mulher que você tem em casa”;” nunca compare mulheres, nem de brincadeira, não seja desastrado…”; “cada mulher tem um cheiro diferente… e todos são bons.”;” quando uma mulher ri e ilumina o mundo é meio caminho andado”. Por fim, por não ter tido uma mãe, mas várias mães…
Mas, sem dúvida, o autor revela no seu personagem, uma mente brilhante e experiências e cultura solidas (a referencia ao escandaloso “origem do mundo” de Gustave Courbet, as palestras de Hayek e sua Demarquia – que coincidentemente também tive o prazer de assistir); as reflexões sociais, políticas, econômicas e psicológicas bem embasadas – embora lançadas nesse estilo caótico. Os vários “tempos” da narrativa (passado longínquo, passado recente, ontem, o agora,) e a distribuição espacial dos acontecimentos (Harvard, seu AP, escritório, rua, edifício, bar, etc., etc. etc.) revelam um engenharia cuidadosa para reunir fragmentos, apesar de criados por uma mente bipolar, depressiva, ansiosa, em permanente estado de tensão.
Será que a nenhum de nós, em algum momento, já não tivemos alguns desses pensamentos ou sensações? Será que nunca nos deparamos com nenhum dos tipos do romance, nem com situações semelhantes? Será que nunca tivemos delírios da memória, recriando uma realidade falsa?
-“Acho que por hoje basta“.
-“ 21,21320343559643 !”
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