Gosto de livros que me fazem pensar. E, por ironia, pensei muito sobre este ”O mundo que não pensa”. Ele me foi recomendado e emprestado por uma amiga, Ana Luiza, a quem agradeço novamente e principalmente ao acabar de lê-lo.
O autor nos conta a história do surgimento das principais bigtechs americanas, reportando fatos e dados da história recente, bem documentados (força de expressão, já que não há mais “documentos escritos” em papéis – tudo é digital).
Boa parte do livro é como uma obra de um historiador do contemporâneo.
A hipótese do autor é a relação entre os movimentos libertários dos anos sessenta, cuja “ideologia” gerou, entre outras manifestações, os “hippies” – talvez a mais conhecida.
Mas, essa mesma ideologia norteou o desenvolvimento das criações do Vale do Silício, cujas tecnológicas estão revolucionando o desenvolvimento do mundo em todos os setores de atividades e em velocidade nunca verificada.
Essa ideologia libertária, num ambiente de avanço da ideologia política e econômica neoliberal, estaria no processo de privatização da internet: sem nenhuma regulamentação e sem nenhuma interferência do governo. Assim, inicialmente se pressupunha permitia a todos e a cada um expressar livremente de suas opiniões e pensamentos – quaisquer que fossem e, ao mesmo tempo, permitir a todos e a cada um o acesso a toda e qualquer informação ou conteúdo.
Lembrar que, na origem, a internet fora criada pelo governo, e para fins militares (conexão entre unidades de bases de lançamentos de foguetes) soa irônico ela se transformar em serviço da sociedade civil.
Mais irônico ainda é o fato da liberdade absoluta proposta no nascedouro da internet acaba por conduzir a um processo indireto de cerceamento e controle da liberdade de pensar.
Essa é a grande contradição que o livro nos mostra.
A tese-crítica, exposta em todo o livro, é o controle que as mega corporações de tecnologias, especificamente Amazon, Google e Facebook, criadas naquele espírito libertário, se transformaram mais do que em monopólios de comércio e de informação eletrônico/digital, mas em detentores de um poder imensurável sobre as populações.
O autor era (ou é) jornalista e escritor. Como tal, seria obvio defender a atividade jornalística tradicional, nos moldes tradicionais dos periódicos em que atuou (revistas e jornais impressos), bem como na atividade intelectual de escritor – no mercado editorial de livros.
Neste livro ele nos conta que, na origem, o criador da Amazon se propunha a construir a maior livraria do mundo, tornando as obras literárias mais acessíveis a todos.
Porém, com o decorrer dos tempos – e que não são tantos assim – a Amazon se transformou num quase monopolista a exigir das editoras que baixassem os preços de venda para a Amazon, com o poder da força de ser o maior distribuidor. Ao mesmo tempo, disseminava informações que levavam o público a entender que o preço do livro impresso era demasiado, por causa dos lucros excessivos das editoras. Além disso, fazia crer que as editoras é que eram monopolizadoras da produção dos literatos, pagando pouco para os escritores e cobrando muito dos compradores de livros.
E assim lançou o E-book, vendendo o texto dos livros preços muito menores, demonstrando assim que as editoras tradicionais é que cobravam demais.
Na outra ponta estavam os autores, que eram mostrados como submissos aos editores, os quais decidiam quem, por quanto e o que poderiam publicar, e retendo direitos autorais.
Aí, a Amazon deu oportunidade a qualquer indivíduo que quisesse escrever um livro pudesse publicá-lo gratuitamente no seu domínio (Amazon) na forma de texto e, inúmeros livros na forma de “e-book”. E, claro, ofereceram o meio para lê-los: o Kindle. Assim, as editoras se tornariam dispensáveis.
Era o “espírito libertário” da origem, mas que se transformou num enorme poder, que nada tem a ver dos os ideais originais. Amazon domina o mercado de venda de livros, e pelo volume de “seguidores” /clientes potenciais e em decorrência tornou-se o maior ou um dos maiores e-commerces (plataforma de comercio eletrônico) do mundo, comercializando milhares e milhares de produtos e com bilhões e bilhões de acessos.
Outro expoente desse processo identificado pelo autor é o Google. Neste caso, a origem era prestar um serviço de busca na internet. Os mais idosos irão se lembrar das Listas Telefônicas e das Páginas Amarelas, quando a telefonia fixa era o mais importante e rápido meio de comunicação.
O Google originalmente permitia localizar os sites existentes em todo mundo, através dos www. De coleta de endereços evoluiu para a coleta de tudo o que é inserido na internet, construindo um banco de dados “incomensurável”. O acesso a essas informações foi aberto e um número também “incomensurável” de pessoas passaram a consultá-las, on line.
Aí, Foyer, o autor, desenvolve sua critica a partir de dois eixos principais: a detenção do conteúdo e o domínio sobre os que o consultam.
O malefício dessa forma de captar e deter conteúdo vai de encontro ao conceito do direito autoral. Qualquer publicação na internet captada pelo Goggle passa para seu acervo e os direitos autorais do autor desaparecem. A decorrência obvia é a desvalorização de tudo que anteriormente se baseava nesse direito, como os jornais, as revistas, e inúmeras outras publicações. É o tal domínio da informação. Seu princípio funciona simplesmente pela lógica do ser humano, assim: “porque eu pagaria para ter uma informação se eu posso tê-la de graça no Google”? Não é mais preciso editoras de jornais, de revistas, de livros que cobram para serem consultados. O Google já captou o que elas produziram e estão disponíveis de graça. Mas, se não se paga em dinheiro, entrega-se um patrimônio: os seus dados pessoais. E esses dados vão também vão formar o banco de dados a ser usado ao seu critério.
O segundo eixo da critica é que a informação obtida no Google é “aparentemente” gratuita. E é assim demonstrado o segundo poder da empresa: a quantidade de pessoas (milhões e milhões) e o número de acessos (bilhões e bilhões) deixam no seu banco de dados um conjunto de informações enormes, não somente da sua identidade, mas de todos os seus hábitos, comportamentos, preferências e assim por diante. É outro “incomensurável” banco de dados.
Como um veículo de comunicação, o Google permite a inserção de anúncios, como as revistas, jornais e emissoras de rádio e TV faziam. Porém, ele vende algo que não se percebe. Ele vende a “posição” da informação: em primeiro lugar quem pagou mais. Simples assim.
Os algoritmos aplicados a esses bancos com dados dos seus usuários oferecem, primeiro, aos “anunciantes” o perfil exato dos seus compradores potenciais, podendo dirigir as mensagens e ofertas com precisão individual. Além disso, permitem orientar quais segmentos de pessoas e quando os produtos terão maiores chances de venda. Até aí, há décadas o marketing vem fazendo o mesmo. Porém, a capacidade do Google vai muito além, pois ele pode “dirigir” os acessos, pois detém informações tais de quem consulta – podendo dirigir a informação segundo algoritmos elaboram. Aos anunciantes ou vendedores de produtos, podemos ter patrocinadores não ostensivos, dirigindo mensagens selecionadas para este ou aquele publico,fazendo o papel de “gatekeeper” da informação. Esse banco de dados é o seu patrimônio e o poder de domínio.
A terceira das grandes empresas de tecnologia destacada por Foyer sobre o impacto que causam na sociedade é o Facebook. Parece que, na origem, ele foi criado para ser um canal de comunicação entre grupo de estudantes. Mas cresceu e se tornou o que é hoje: um instrumento que contribui para a superficialidade do pensamento e para a fragmentação da sociedade. Basta ver as postagens e os clicks para evidenciar essa conclusão.
Simplesmente ao dar preferência aos conteúdos que geram maior interesse, a tendência natural – baseado no comportamento humano da maioria – seria amplificar as emoções que fossem mais intensas e polarizadoras. E aos amplificá-las, isso tende a incentivar divisões sociais e políticas, formando “clusters” de opiniões e de personalidades. Ou bolhas de iguais ou semelhantes. A crítica é também à maneira como o algoritmo do Facebook promove a superficialidade, favorecendo conteúdos sensacionalistas e emocionais em detrimento de análises aprofundadas e reflexões mais complexas, ou seja, refletir sobre o que se está informando.
Outro aspecto abordado é quanto à privacidade. O Facebook coleta enormes quantidades de informações sobre seus usuários e as utiliza não só para direcionar anúncios. Mas para dirigir conteúdos específicos, condicionando dessa forma a percepção das pessoas e moldando assim o seu entendimento e, por conseqüência o seu comportamento, o que se pode entender como uma forma invisível e manipulação do pensamento.
Como tudo é quantificado e aplicado os algoritmos, temos por conseqüência a homogeneização cultural, onde a diversidade de pensamentos e culturas pode ser reduzida ou mesmo ser suprimida em favor de uma cultura de massa dominada por tendências populares e virais e assim Foyer vê o Facebook como um agente que, ao manipular informações e favorecer conteúdos superficiais e polarizadores, contribui para a degradação do pensamento crítico e da coesão social.
Concluindo: essas corporações têm significativo poder para influenciar o que as pessoas vêem e acessam, coleta uma quantidade massiva de dados dos seus usuários, e se são utilizadas para direcionar anúncios e personalizar serviços, mas também colocam em cheque a privacidade e vigilância. A maneira como organizam e apresentam as informações que fornecem pode afetar o modo como pensamos e adquirimos conhecimento. A conveniência de encontrar informações rapidamente (Google) pode levar a uma superficialidade no aprendizado e na compreensão, prejudicando o pensamento crítico e a reflexão sobre o que se é informada. Do ponto de vista da economia liberal, o gigantismo e o poder proporcionam a capacidade absorver potenciais concorrentes e a integração vertical de suas operações contribuem para uma concentração de mercado, criando monopólios e limitando a concorrência o que, contrariamente aos princípios originais, é prejudicial para a inovação e diversidade no setor de tecnologia. Essas grandes empresas de tecnologia têm o poder de moldar a cultura e as normas sociais, influenciando não só consumo, mas a forma de pensar. Ou de não pensar.
Obrigado, Ana Luiza por esse “Mundo que não pensa que”, ironicamente, me fez pensar muito.